domingo, 17 de junho de 2007

Relações Irã e mundo árabe

Implicações da militância islâmica iraniana para o Mundo Árabe


Silvia Ferabolli*


Desde a sua revolução islâmica, em 1979, o Irã tem interferido fortemente nas dinâmicas do Sistema Árabe de Estados, não tanto pela força de seu poderio bélico, mas principalmente pela destreza com que o país dos aiatolás manipula o discurso da defesa do islã como arma contra o ocidente.

Militarmente, o Irã demonstrou, no imediato pós-1979 (Primeira Guerra do Golfo 1980-1988), que sua máquina de guerra era forte o bastante para conter o avanço do mais militarizado dos países árabes, o Iraque.

Retoricamente, Revolução Iraniana colocou em xeque as credenciais islâmicas da Arábia Saudita e, por conseqüência, das demais monarquias do Golfo, ao expor os “ultrajantes” laços desses Estados com o Ocidente, particularmente com os Estados Unidos. O pilar antigo e indispensável da legitimidade das petromonarquias, a defesa do islã, começou a tremer frente ao discurso do novo regime revolucionário iraniano, que logo tornou público seu desejo de exportar a revolução islâmica pelos países vizinhos e, quiçá, para o resto do mundo. O nascimento do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), em 1981, deve ser entendido como uma resposta das petromonarquias à pressão do Irã, e o sucesso atingido por esse processo integrativo tem, cada vez mais, isolado esses países do restante do Mundo Árabe.

Passados mais de duas décadas desde que os aiatolás assumiram o poder no Irã, a força de seu discurso de independência dos povos islâmicos frente aos ditames do “Grande Satã” ainda repercute sobre o Sistema Árabe de Estados, mais precisamente no que se refere às tentativas norte-americanas de fazer brotar a democracia nas areias do deserto. Desde que Mahmoud Ahmadinejad assumiu a presidência do Irã e iniciou seu discurso de confrontação contra Israel e contra o poderio estadunidense no Oriente Médio, Washington tem revisto sua política de espalhar a democracia pela região. Ou, como afirmou Daniel Pipes, conselheiro do governo Bush e um dos arquitetos da guerra contra o Iraque, “a América tem que desacelerar o processo democrático para evitar que governos islâmicos assumam o poder nos Estados árabes” (Al-ahram Weekly, edição de 24-30 de novembro de 2005). Dessa forma, algumas medidas que já estavam sendo arquitetadas pelos regimes árabes rumo a uma maior abertura política, fruto da pressão americana, vão gradualmente sendo abandonadas, pois o discurso de Pipes, nos termos do “eu, pessoalmente, prefiro os ditadores de hoje aos ditadores islâmicos do futuro” foi rapidamente aceito pelo governo Bush e internalizado pelas elites governantes árabes.

Em termos militares, o Irã também se apresenta, cada vez mais, como uma variável relevante nos cálculos políticos árabes. A firme disposição do governo de Ahmadinejad de impedir inspeções internacionais que sustentem a tese iraniana de que seu programa nuclear visa apenas fins pacíficos, como a produção de energia, poderá dar ao país tempo suficiente para desenvolver um artefato nuclear, o que alteraria drasticamente a correlação de forças a favor do Irã vis-à-vis o Mundo Árabe. Na verdade, já existe uma percepção na região de que o Irã está alcançando uma posição privilegiada no Oriente Médio exatamente devido à sua postura de confronto e seu discurso islâmico militante.

Pelo menos é o que ficou claro nas discussões da reunião anual de cúpula da Liga Árabe, realizada entre os dias 28 e 30 de março de 2006, em Cartum, na qual os Estados árabes aprovaram uma resolução conjunta reafirmando sua disposição em reabrir embaixadas no Iraque e em aumentar a presença árabe em solo iraquiano, para evitar o aumento já percebido da posição iraniana no Iraque. Como afirmou o ministro das relações exteriores do Iraque, Hoshyar Zebari, “Eles [os árabes] temem que o Iraque esteja se afastando dos árabes, se divorciando do Mundo Árabe e sendo cada vez mais influenciado por um outro país vizinho [Irã]”.( The New York Times, edição de 28 de março de 2005).

Esse temor não é infundado, na medida em que analistas na região já acusam a possibilidade de que os Estados Unidos estabeleçam algum tipo de acordo com o Irã que poderá enfraquecer ainda mais a posição árabe no Iraque. Em particular, eles mencionam algumas conversações que já estão previstas entre os governos americano e iraniano para discutir o futuro do Iraque, especialmente no que tange a questões envolvendo a população xiita iraquiana.

A Liga Árabe, através de seu chefe de staff, Hisham Yousef, tentou colocar um freio nas investidas iranianas, com possível aval americano, sobre o futuro político do Iraque: “Quem são eles para decidirem sobre o futuro de um terceiro país na ausência dos iraquianos, na ausência do Mundo Árabe, na ausência de todo mundo?”.

A problemática envolvida nessa situação é que o Iraque está usando a disposição iraniana em se tornar um contendor efetivo no jogo político da região para pressionar os Estados árabes a aumentarem seu apoio financeiro e diplomático ao novo governo iraquiano. “Por que vocês estão reclamando do papel do Irã no Iraque se os iranianos estão aqui e vocês não estão? Nós estamos há três anos pedindo que vocês assumam uma posição e vocês não respondem”, sentenciou Zebari. Essa “posição”, logicamente, significa apoio diplomático total e perdão de dívidas.

O forte discurso de Ahmadinejad contra Israel e a firme disposição do Irã em apoiar financeiramente o novo governo palestino coloca os países árabes que têm acordos de paz com Israel, como o Egito e a Jordânia, ou que têm se abstido de confrontar publicamente os israelenses, como as petromonarquias, em uma posição de fraqueza política contra o Irã diante da “rua” árabe-islâmica.

Os desdobramentos desta quadrangulação que vem se aprofundando no Oriente Médio, formada por Estados Unidos – Irã – Mundo Árabe – Israel, será um elemento a mais a ser considerado nas dinâmicas do Sistema Árabe de Estados, o qual já sofreu um duro golpe quando da invasão militar americana do Iraque e que agora, mais do que nunca, precisará decidir como lidar com as investidas políticas do Irã militante sobre o mundo árabe-islâmico.

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Ensaio originalmente publicado nas Colunas de Relnet e Meridiano 47 (2006)

*Mestre em Relações Internacionais pela UFRGS. Professora de Ciência Política da Faculdade Montserrat. Especialista em assuntos políticos do Oriente Médio.

Um comentário:

V dos R disse...

Prezado professor, desde Colômbia sua irma e desde o Egito o seu irmao e queridos amigos (des-til-dados e sem cedilha), enviamos um abraco de felicidade pelo novo blog! Estaremos lendo muito, e muito contentes de ter suas notícias também por este medio!
Boa sorte, e melhor escrever!